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Era ainda manhã escura e já estávamos dezasseis a caminho da Serra. A meta foi marcada para Maçainhas de Baixo. E lá fomos! entre conversas, tricot e um cafézinho pelo caminho chegamos ao destino.

Maçainhas é daquelas povoações pitorescas onde a baixa densidade populacional e população mais envelhecida, não permite que cheguemos sem sermos notados. Perguntamos à simpática gente onde ficava a Associação dos Cobertores de Papa (AGCP)e lá fomos.

A Associação do Genuíno Cobertor de Papa foi criada em 2018 e é lá que se produz o genuíno, sim porque fazem questão de frisar a genuinidade do produto, cobertor de papa.

Quantos de nós não se lembra desses cobertores em nossas casas ou nas casas dos nossos avós: aqueles cobertores de lã pura, quentinhos, felpudos que nos adormeciam toda a noite, sem as preocupações da vida adulta! “Uma manta para proteger o nosso interior”, dizem eles, e não é verdade?

Fomos tão bem recebidos pelos seus representantes! o entusiasmo com que partilham este saber-fazer, desde a chegada da lã, à blocagem dos cobertores (e que lindo é ver os cobertores estendidos, ao vento, como se fizessem parte de uma exposição em que Maçaínhas é a sala e os cobertores a arte exposta), a forma divertida com que nos olhavam sempre que uma de nós experimentava um dos processos (fiar, urdir, cardar). Fazem isto porque sim, porque gostam, porque querem preservar as tradições, deixar um legado a quem vem, a Maçainhas, ao país.

Não podíamos sair de lá sem levar um, porque a tradição e o património também nos aconchega, porque estas pessoas que o fazem, sem receberem nada em troca, sentem que vale a pena e, acima de tudo, porque preservar as tradições não é só quem faz, é quem leva.

Continuamos caminho até à Covilhã onde visitamos o Museu dos Lanifícios.

Este extraordinário museu, com 12000m2, situa-se num espaço onde, em tempos idos, se encontrava o núcelo industrial mais importante do país, patrocinado pelo Marquês de Pombal e que hoje é a Universidade da Beira Interior, ao qual pertence.

Covilhã, terra de muita água, de muita população e bastante matéria-prima (a lã que se recolhia dos pastores das redondezas) foi o local ideal para a instalação da Real Fábrica de Panos, no século XVIII. Este museu nasceu da necessidade de preservar, não só património industrial da região, mas o saber fazer que acontecia dentro de portas. E no correr dos 12000 m2 temos uma lição de História, de Etnografia, Arqueologia e de humildade perante as agrestes formas de trabalho e de vida das gentes e dos operários da época. A nossa simpática guia conseguiu envolver-nos em toda esta História e terminamos a visita com a sensação de dever cumprido, pelo menos, até à chegada da nossa formadora do workshop do ciclo da lã.

Chegamos ao espaço, um pequeno jardim contíguo, que nos convidava ao relaxamento, naquele lindo dia de sol, sob o chilrear dos pássaros e o barulho da água que corria no ribeiro.

Mas o tempo não era para isso, era para meter mãos à obra e começar a limpar a lã das ovelhas que tínhamos à disposição: limpamos, lavamos, cardamos, fiamos e tecemos. Tudo com os métodos tradicionais da região (a roca, o fuso, o tear).

Mas mais do que trabalho, foram os risos, as gargalhadas, a magnífica conversa com a extraordinária formadora sobre os benefícios da lã, os seus desafios, a sustentabilidade dos processos (que, em tempos idos, já existia e que a evolução dos tempos, fez-nos esquecer), a necessidade de preservar tudo aquilo que estava à nossa volta.

Uma rodinha de mulheres que gostam de aprender, que se interessam umas pelas outras, pelo trabalho que fazem, pela terapêutica das artes manuais.

O dia estava longo e fomos descansar a Manteigas, no Hotel da Fábrica. O Hotel da Fábrica é um edifício carregado de história. Com uma fabulosa vista para o vale, implanta-se na antiga fábrica da Ecolã. Aqui, onde quer que olhemos, vemos a história a acontecer: o pormenor do burel em quase tudo, desde os candeeiros, às almofadas. A história da lã encontra-se nos cortinados, nos candeeiros, nos pantones antigos, na chave dos quartos e no conforto de quem lá pernoita.

É domingo e acordamos cedo, fomos visitar a Ecolã.

A Ecolã é uma empresa que atravessa três gerações, desde 1925, ano em que foi fundada. É hoje, a mais antiga unidade produtiva artesanal certificada familiar, de origem portuguesa. A sua maquinaria mais recente data dos anos 60, do século XX, para que a tradição e a qualidade dos produtos se mantenham. Apesar da antiguidade dos métodos e dos processos, a inovação está lá. Percorrendo a fábrica, com o nosso inteligentíssimo e entusiasta guia, o Sr Costa, percebemos o amor a este trabalho e a esta arte de trabalhar a lã, transformando-a em produtos cobiçados desde Portugal ao Japão, sendo o ex libris da mesma o burel. O burel, tecido usado pelos antigos pastores, é hoje, um produto de referência a nível mundial. Tecido constituído por 100% de lã das ovelhas autóctones, após ter passado por todo o processo de tratamento da lã (desde a tosquia à tecelagem), é levada para o pisão, que bate e escalda a lã, transformando-a num tecido resistente, impermeável e compacto. Quem veste burel, veste qualidade e durabilidade, veste conforto e elegância. Esta visita guiada não foi só uma lição de património, mas, igualmente, uma lição de resistência e resiliência de uma povoação que não quer deixar morrer o que de melhor os representa, nos representa.

E foi assim que terminamos um fim de semana dedicado às tradições e ao Património da lã.

A Lavorada encontra em cada canto do país, aquilo que melhor a define: o saber fazer, o artesanato e o património, acrescenta-se, ainda, a arte do encontro, das partilhas e dos momentos.

Um agradecimento especial a todos os que, tão simpaticamente nos receberam neste passeio cultural. Ainda aos restaurantes “O Olival” em Manteigas e “Mondego, na Guarda, pelo excelente repasto.

Teresa Teixeira

Fotografias nas redes sociais.

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