Nesta grande roda de mulheres (ainda estamos à espera que os homens saiam do estigma onde os prenderam, também as eles) que é a Lavorada, com gente nova e velha, a troca de experiências de vida é do mais rico que há.
Desde que demos início às nossas Lavoradas Mensais, temos tido o privilégio de ser testemunhas de muitas histórias que se fazem com agulhas na mão. Histórias que falam de memórias mais remotas que traçaram e condicionaram vidas. Um tempo em que era obrigatória saber coser, bordar, tricotar... Habilidades artesanais e domésticas que preparariam uma mulher para o seu papel principal – a dona de casa perfeita e subserviente ao marido.
Só a distância temporal trouxe questionamentos. Naquele tempo era assim, assim tinha de ser. A hipótese de se poder ser mulher de outra maneira ficava no mundo dos sonhos e de uma remota ideia de que lá fora era diferente.
Deu-se o 25 de Abril e Portugal abriu-se ao mundo. Muitas mudanças foram operadas e a maior delas (talvez se fale pouco disto com a propriedade que merece) foi o papel da mulher na sociedade, mais, o papel jurídico da mulher na sociedade. Muitos direitos foram conquistados. O lugar de semi-pessoas que as mulheres até então ocupavam foi abolido por uma constituição mais igualitária no género e nas classe sociais.
Os lavores, claro, ficaram para trás! Havia um novo mundo a entrar por Portugal adentro. As mulheres queriam viver a sua liberdade e experimentar essa nova forma de se ser mulher. Saber coser, bordar ou tricotar fazia parte do léxico do estado novo, era preciso enterrá-lo.
Decorridos 50 anos e livres do peso de uma herança que ninguém quer, as gerações mais novas, que já aprenderam com uma mãe que apenas queria ensinar e nunca impor, ou por si mesmas, pela vontade de saber-fazer, têm trazido de volta aos lavores as mulheres que fugiram destes ofícios que ainda lhes lembra esse papel definido pelas entediantes expressões fada do lar ou mãos de fada. Têm mostrado que nos lavores há um espaço que é de criação, de fuga, de aprendizagem, de prazer. Um espaço seu e para si.
A presença de uma roda de lavores nas comemorações da Revolução dos Cravos não é um paradoxo, é a demonstração que o caminho está a ser feito e chegamos ao ponto em que já vamos conseguindo revisitar memórias mais profundas e difíceis. Mas é, acima de tudo, e com urgência, o pretexto para relembrar, precisamente, que esses tempos não se podem repetir.
Celebrar os 50 anos do 25 de Abril na Lavorada é celebrar a conquista do lugar da mulher e das suas livres escolhas. Cada cravo em crochet representa a entrega da mulher à sua arte sem propósito prático nenhum, apenas a arte pela arte. Ter prazer e criar.
VIVA O 25 DE ABRIL! VIVA A LIBERDADE!